Tempo (de Deus)
"(...)Nada é linear em nós, seja estados de espírito, seja aquilo que acontece na alma por causa de pessoas e situações que nos questionam. A nossa condição é uma fronteira e um limite entre poder e sofrer, domínio e derrota, sonho e desilusão. Aquilo que mais me cansa é saber tantas coisas sobre o Bem e dar-me conta que fico muito longe de o fazer presente. Presente actual em mim, ou dá-lo como presente ao que acontece em cada dia.
A fronteira é lugar de passagem, não nos deixa ficar donos de nós próprios e dos acontecimentos. E sempre que o tentamos fazer, imediatamente nos damos conta que há muitas coisas que deixamos escapar, ou que fogem de nós. Isso exige um esforço e um sofrimento para perceber que a liberdade é um desafio constante. Uma surpresa irritante.
Se a nossa condição é viver neste espaço e neste tempo que passa e não conseguimos controlar, seríamos muito desgraçados se nos resignássemos a deixar andar o relógio e ir cumprindo mais ou menos bem o concreto de cada dia. No fundo, sem termos nada de sólido, nada que permaneça além das mudanças do vento, das mãos que se fecham ou dos caminhos que deixam de existir. E essa base sólida está em nós e é a bondade do nosso coração.
Nunca conheci uma pessoa má, e acredito que nunca virei a conhecer. Há pessoas, sim, que a Vida as fez defendidas, amarguradas, sem distância para pensar além do imediato. Que as fazem viver em mundos tão estreitos e angustiosos que precisam explodir para sobreviver.
E esta Bondade Universal é um dom. Como se o facto de estarmos vivos resultasse deste magnífico acontecimento de termos mergulhado no Amor, e nunca mais poderemos apagar as marcas que isso nos fez e nos continua a fazer. Temos uma perfeição incompleta, uma liberdade contraditória, mas também temos a perfeição que é dada e que não depende de mim.
Acreditar nesta perfeição faz-me melhor, porque me faz olhar como sou. As nossas experiências de Amor por alguém são fonte de vida para o mundo. E o Amor de Deus será então esta fonte mais segura que tudo. Quem gosta de si, ama a Deus. Quem ama a Deus, gosta de si.
Porque para Deus somos os mais importantes, e por isso, acarinhados, sustentados, acompanhados. A marca desta presença é o desejo que todos temos da felicidade. E quando não a encontramos, quando a Vida nos tira todos os motivos para pensar nisso, então é a nossa parte sólida que se revolta. Chega de sermos pequeninos e confusos. Há sempre um ponto de partida, um gesto que seja capaz de criar harmonia no caos, e uma luz que parta toda a escuridão. Eu e Presença de Deus, este acreditar que vence tudo e transforma todas as coisas." (António Valério, sj)
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