'Toda a minha esperança está na vossa misericórdia'
"Conversão de Agostinho de Hipona".
(1775). (by Charles-Antoine Coypel). Château de Versailles.
(Lib; 10, 26.37 – 29, 40: CSEL 33, 255-256) (Sec. V)
Onde Vos encontrei para Vos poder conhecer? Porque Vós não estáveis na minha memória, quando ainda Vos não conhecia. Onde Vos encontrei para Vos conhecer, senão em Vós mesmo que estais acima de mim? Não habitais num lugar onde se possa entrar e sair; não habitais certamente nenhum lugar. Em toda a parte, ó Verdade, assistis a todos os que Vos consultam e respondeis ao mesmo tempo aos que Vos interrogam sobre as coisas mais diversas. Respondeis claramente, mas nem todos Vos ouvem com clareza. Todos Vos consultam sobre o que desejam, mas nem sempre ouvem o que querem. O vosso servo mais fiel é aquele que se dispõe antes a desejar o que ouve de Vós, do que a ouvir o que ele deseja. Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Estáveis dentro de mim e eu estava fora, e aí Vos procurava; e disforme como era, lançava-me sobre estas coisas formosas que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Mas Vós me chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e curastes a minha cegueira. Exalastes o vosso perfume: respirei-o e agora suspiro por Vós. Saboreei-Vos e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e comecei a desejar ardentemente a vossa paz. Quando estiver unido a Vós com todo o meu ser, em parte nenhuma sentirei dor e trabalho; a minha vida será então verdadeiramente vida, porque estará cheia de Vós. Elevais aqueles que encheis; mas porque não estou totalmente cheio de Vós, sou ainda um peso para mim. As minhas alegrias, que deviam ser choradas, contendem com as minhas tristezas que me deviam alegrar; e não sei de que lado está a vitória. Ai de mim, Senhor! Tende compaixão de mim! Lutam as minhas tristezas más com as minhas alegrias boas; e não sei de que lado está a vitória. Ai de mim, Senhor! Tende compaixão de mim! Não Vos escondo as minhas feridas: sois médico e eu enfermo; sois misericordioso e eu miserável. Não é acaso a vida do homem sobre a terra uma dura prova? Quem deseja trabalhos e preocupações? Ordenais aos homens que as suportem e não que as amem. Ninguém gosta do que lhe custa, embora goste de o suportar; e embora se sinta feliz no sofrimento, prefere não ter nada que sofrer. Na adversidade desejo a prosperidade, e na prosperidade temo a adversidade. Entre estes dois extremos, qual será o termo médio onde a vida humana não seja uma luta? Pobres prosperidades deste mundo, duplamente lamentáveis, sempre ameaçados pelo temor de que venha a adversidade e se desvaneça a alegria! Tristes adversidades deste mundo, uma, duas e três vezes lamentáveis, porque estão sempre torturadas pelo desejo da prosperidade, pela dureza da própria adversidade e pela ameaça do naufrágio total da paciência! Não é acaso a vida do homem sobre a terra uma dura prova sem nenhuma trégua? Por isso toda a minha esperança está na vossa misericórdia.
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